... Entrou no ônibus, passou pela catraca e sentou-se na cadeira. Ainda ria conversando com algumas pessoas, e pedindo sempre obrigado ao cobrador, mas o seu olhar era mistério reservado de surpresa.
Repentinamente uma alta voz
– Minha gente, eu queria falar... –
Ele não completou!
– Eu queria falar... Eu não sou ladrão! –
Até hoje não esqueço aquele olhar.
– Eu não sou ladrão! Não roubo! –
Ele não tinha se quer jeito para falar, não tinha como começar a história, seus olhos não paravam de olhar de um canto a outro do ônibus, suas mãos tremidas e nervosas não paravam de ajeitar os cabelos.
– Minha gente, eu só quero falar que... –
Parecia um martírio seu discurso.
– Eu queria pedir ajuda, pois minha mulher... Eu sou de Xexéu, em Alagoas, sou cortador de cana-de-açúcar, e minha mulher está internada no hospital. Ela teve que amputar uma das pernas, e talvez tenha que amputar a outra... –
Nesse exato momento a tristeza envolveu todo espaço dentro do ônibus, tudo era tristeza, todos que viram aquele pobre homem, já de idade avançada, chorando desesperado pela dor de sua mulher e pelo seu triste caminho. As lágrimas entorpecidas de dor, lamento, sofrimento, rolaram pelo seu rosto, e sua expressão era de tremenda vergonha pelo seu ato.
– Minha gente, estou a dias aqui nesse lugar, não sei ainda quando ou como vou poder ir para minha casa, não tenho dinheiro algum, e estou sem dormir e sem comer a dias também... –
Num gesto esdrúxulo, levantou a camisa e exclamou – Isso aqui é fome! –
Pois o que restara no seu corpo era só a pele e os ossos, levando uma estrutura raquítica de tanta fome que passava naquele momento. Depois disso a dor e a vergonha lhe caíra novamente, perante a um público que não conhecia, e que nunca vira em toda sua vida.
As lágrimas daquele homem desalmado e esquecido por deus e por todos, me fizeram ficar estático, paralisado, e a perguntar-me se todo meu sofrimento algum dia chegara a esse ponto... Acho que não. E assim ele exclamou, chorando ainda, pela última vez...
– Minha gente, eu só queria ir para minha casa! –
A expressão era muito forte, eram muitas dores e muito sofrimento. Ele continuou a chorar por vários minutos ainda, nós, passageiros, juntamos uns trocados e os demos; chorando muito, pedia obrigado e quase sem voz desceu do ônibus. Chorando, o pobre homem permaneceu, e quando o ônibus saíra da parada, nos últimos segundos, ainda se avistava às lágrimas rolarem seu rosto. Fiquei com tanta raiva de tudo isso, e com raiva de mim mesmo que preferiria mil vezes a morte a ter visto e ouvido aquilo. Pensei bastante sobre tudo que assisti, depois saí do ônibus e fui de encontro ao meu trabalho. Quando cheguei lá, corri pra o banheiro, e chorei por ele.